sábado, 11 de abril de 2009

A história do homem que sonhou com a indústria automobilistica brasileira.



"Automóvel não se fabrica, compra-se. É coisa para multinacionais."
O desafio de Gurgel com os automóveis começou em 1949, quando apresentou, em um exame da Escola Politécnica da USP, um projeto de carro. A frase acima foi proferida por um professor que quase o reprovou. Começava a história do engenheiro que foi aos Estados Unidos buscar know-how na indústria automobilística americana, trabalhou nas maiores fábricas do planeta e publicou artigos em revistas especializadas americanas aos singelos 27 anos.
Foi na América que obteve o diploma de Engenheiro Automobilístico pelo General Motors Institute. Depois, trabalhou na GM do Brasil e, mais tarde, na Ford. Em seguida participou do Geia (Grupo Executivo da Indústria Automobilística), programa instituído pelo então presidente Juscelino Kubitscheck.
Em 1958, quando o filho estava nascendo, João Augusto Conrado do Amaral Gurgel pediu demissão da Ford, onde trabalhava, depois de uma discussão com o vice-presidente da companhia sobre a insistência do executivo em não trazer carros para o Brasil.
A Ford queria permanecer só no mercado de caminhões. A alegação era de que um país com renda per capita de US$ 129 por ano, em média, não podia consumir carros. Por mais que Gurgel argumentasse, essa posição era irredutível. A resposta do jovem engenheiro foi definitiva, iniciou a produção de automóveis com apenas US$ 50 mil.
Na verdade, o início da saga desse brasileiro empreendedor se deu com a Moplast, dedicada a luminosos e painéis. Paralelamente, ele iniciou a fabricação de carros com o chassi e o motor do Fusca. Em 1969, criou, em São Paulo, a Gurgel Indústria e Comércio de Veículos, com quatro funcionários e produção mensal de quatro automóveis. Era o começo de uma história não tão longa, mas absolutamente heróica, que deixou um saldo positivo de 40 mil carros produzidos e vendidos.
Expectador e personagem da história, Gurgel relembrou, em uma de suas últimas entrevistas, concedida à jornalista Carolina Andrade, em 1994, os tempos iniciais do governo JK: “Quando Juscelino fez o projeto da indústria automobilística no Brasil, eu ajudei. Trabalhei com o Almirante Lúcio Meira e toda aquela turma que formou o Geia. Eu era, naquele tempo, assessor da presidência da Ford. O projeto inicial do Juscelino era o da nacionalização progressiva por peso. De 20% no primeiro ano até 90% ao fim de cinco anos. As multinacionais achavam que não podíamos fazer velocímetros, não podíamos fazer rolamentos, e a nacionalização nunca ia chegar a 100%. Baseados nessa idéia, construímos um projeto de indústria automobilística que pode ser carroça ou não ser carroça, mas que gerou muito emprego e, por meio dela, foi possível também gerar a indústria - de autopeças. Tudo isso foi feito até 1980. O Brasil ia crescendo na produção de maneira bárbara. Chegamos a 1,16 milhão de carros. Agora, devido a essa história de globalização da economia — eu não gosto nada dessa palavra — temos de abrir as portas. E destruir tudo aquilo que foi feito pelo Juscelino."
LINHA DO TEMPO
Em 1980, foi lançada a pedra fundamental da fábrica de veículos elétricos Gurgel, em Rio Claro (SP). O primeiro carro sairia da linha de montagem um ano depois; e o sucesso o tornaria famoso em toda a América Latina, para onde foi amplamente exportado.
Em 1983, Gurgel assina um acordo de cooperação com a Volkswagen, para atuarem conjuntamente na fabricação e na montagem de utilitários Gurgel, em países que recebiam veículos Volkswagen no regime CKD (completamente desmontados).
Em 1985, é criada a Gurgel-Tec, com apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia. Em 1986, é fabricado o Carro Econômico Nacional (Cena), depois denominado BR-800. A empresa vive um período de grande efervescência: a fábrica é ampliada; o número de funcionários cresce; e é construído o Centro Geral de Usinagem (CGU).
O ano se encerra com uma revolução: em dezembro, é apresentado ao mercado o motor de dois cilindros contrapostos, com 800 cilindradas, um marco da Gurgel.
Em 1987, é lançada a Campanha de Abertura de Capital, e 10 mil lotes de ações são colocados no mercado. Dois anos depois, a Gurgel adquire uma área de 650 mil metros na Grande Fortaleza (CE), onde planeja construir sua segunda fábrica.
É a partir daí que começam os problemas, muitos deles tendo como causa o não cumprimento do protocolo de intenções por parte dos governadores Ciro Gomes, do Ceará, e Luiz Antonio Fleury Filho, de São Paulo.
A empresa se abala e inicia vertiginosa derrocada. Em 1993, a Gurgel pede concordata. Apesar disso, no mesmo ano ganha o 70 Troféu Europa à Qualidade, conferido pelo Editorial Office e pelo Trade Lider’s Club, que congrega 12 mil associados em 112 países.
Um dos modelos bem-sucedidos foi o mini BR-800, pensado para ser um carro de altos volumes e que utilizava as mesmas engrenagens de câmbio do Chevette da GM.O design do BR-800 era avançado para a época e a proposta do carro pequeno também ganhava corpo num Brasil em que os altos volumes se voltaram para os carros populares. A abertura do mercado, feita pelo então presidente Fernando Collor de Mello, que reduziu o IPI para carros de 1.000 cm3 de cilindrada, além de tirar as vantagens tributárias do BR-800, pegou a Gurgel fragilizada economicamente - praticamente decretando o fim da endividada companhia nacional de autoveículos. O empresário acusou além do governo federal,o governo estadual do Ceará e de São Paulo do que chamou de "perseguição", que continuaria por mais 10 anos, até que fosse decretada a falência total da companhia.
O sonho acabou morrendo junto com Gurgel, que dedicou quase 30 anos de sua vida ao projeto do carro nacional. De qualquer forma, muitos de seus produtos continuam rodando por aí, conduzindo a história do heróico empreendedor
Em 30 de janeiro de 2009, com saúde há muito debilitada, pois sofria de Alzheimer deixou o mundo.
Gurgel morreu sem que ganhasse em vida o reconhecimento merecido, mas deixou marcas indeléveis de ousadia e 40 mil veículos produzidos ao longo de 30 anos.
A Gurgel e a Embraer são do mesmo ano. Ambas nasceram de sonho e antevisão de homens que acreditavam que era possível fazer carros e aviões com tecnologia nacional. A Gurgel ficou no meio do caminho enquanto a Embraer se tornou a terceira maior do setor no mundo. "Da mesma forma que ajudamos a criar, lutamos para que a Embraer fosse privatizada, pois, sabíamos, esse era o futuro", costuma dizer Ozires Silva, articulista da Gazeta Mercantil.Gurgel não pode ser acusado de omisso nem de fazer corpo mole em defesa das idéias nas quais acreditava. Em meados dos anos 70 Gurgel se envolveu na discussão sobre o Proálcool. Ele se posicionou contra o sistema de produção por considerar que as terras nobres do interior paulista não deveriam ser utilizadas para a cana-de-açúcar e sim de alimentos.
De acordo com o jornalista Fernando Calmon, colunista da Gazeta Mercantil, o engenheiro Gurgel criou algumas soluções técnicas brilhantes, outras nem tanto. A fase mais criativa foi ao lançar, em 1984, seu primeiro automóvel urbano, o Xef, para três passageiros numa única fileira. Tinha apenas 3,12 m de comprimento, mas 1,70 m de largura. Para Calmon, se o empresário Gurgel tivesse mantido sua especialização nos utilitários talvez sobrevivesse, pois chegou a exportá-los para 40 países.
Termina assim a história de um brasileiro que deixou seu legado, e sua proposta de industrialização do país, para uns uma tentativa frustrada, mas para muitos um exemplo de sucesso, coragem e ousadia.

Autor: Hélio Araújo. Aluno do 5º semestre de Relações Internacionais.

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6 comentários:

Alexandre Felipe disse...

viva o reitor, viva Uribe, viva Israel, viva o protestantismo, viva o SPFC 6-3-3, viva o Paulo Cesar Quartiero, viva Adam Smith, abaixo Marx, abaixo reserva indígena, abaixo discurso vazio sem produçao acadêmica, abaixo greve.

Unknown disse...

Não conhecia a história de Gurgel, esse brasileiro empreendedor e ousado, tal qual o texto do Hélio brilhantemente nos informa. Interessante saber que aos 27 anos ele já despontava como um homem visionário e determinado! Que nos sirva como exemplo! O texto está muito bem escrito e o tema escolhido é fantástico!!! PARABÉNS HÉLIO!!!

Julia

João Nackle disse...

Artigo muito interessante. Demonstra a necessidade e viabilidade de que pesquisas futuras venham a estudar mais a fundo o modelo brasileiro de industrialização, especialmente no setor de automóveis.
Será que o modelo de proteção da indústria automobilística - formada em sua maior parte por empresas multinacionais com inserção global - atende aos interesses da maioria do povo brasileiro? Ou se trata de um modelo concentrador de renda que agrava as desigualdades econômicas e geográficas do País?
Parabéns ao acadêmico pela escolha do tema e pela redação clara e instigante.

Abilio disse...

show de boa esse artigo sobre o Gurgel!!!
cara de coragem...

gustavorisse disse...

Fala Hélio, parabéns pelo texto, o assunto é mt interessante! abraço!

Pilar disse...

gostei da autenticidade do tema escolhido. texto bem claro e de leitura rápida! eu não sabia nada sobre a indústria automobilística no brasil.
valeu hélio!