sexta-feira, 5 de junho de 2009

A Relação entre Mídia e Direitos Humanos em Situações de Conflitos Armados


É fato que em situações de conflitos armados, violações aos Direitos Humanos ocorrem e com freqüência. Na sociedade da informação, “o direito a ter direitos” – utilizando frase de Hannah Arendt – está em grande parte associado à atuação da mídia, responsável por denunciar seus desrespeitos e promover o debate público. Entretanto, é preciso haver cautela ao delegar aos meios de comunicação a promoção da sensibilização social em situações de conflito.
No século XX, os mass media conquistaram espaço relevante nas interações sociais. A História da cobertura das guerras mostra que exercer o controle sobre os meios de comunicação é uma estratégia crucial para os governos beligerantes.
Em 2003, o Tribunal Penal Internacional para Ruanda, condenou três jornalistas por utilizarem a mídia para incitar o genocídio que matou entre 500 e 800 mil pessoas, em 1994. O caso ficou conhecido como ‘Mídia do Ódio’ e entre os condenados estavam o ex-diretor da Radio Television Libre des Miles Colines, que apoiava o assassinato da minoria Tutsi, transmitindo frases como “matem as baratas”. E o editor do jornal extremista Hutu, Kangura, que divulgava listas de extermínio.
Na invasão ao Iraque, a mídia norte-americana também apoiou por um período a administração Bush, em 2003. Raramente ela questionou a argumentação – depois, comprovadamente falsa - de que Saddam Hussein comprara urânio enriquecido do Níger, com o propósito de fabricar armas de destruição em massa. No campo de batalha, a estratégia da informação limitou a atuação dos jornalistas com a implementação dos embeddings. A insatisfação com a imprensa se mostrou notória, principalmente, nos discursos do ex-Secretário da Defesa, Donald Rumsfield. O fim desse posicionamento complacente ocorreu em 2004, com o “escândalo” de Abu Ghraib e as graves denúncias acerca da prisão de Guantánamo. Somente após a divulgação, na imprensa mundial, de fotos chocantes que retratavam os soldados da coalizão torturando prisioneiros de guerra é que foi questionada a negligência dos valores éticos no conflito, e colocou-se em pauta o desrespeito dos Estados Unidos aos Direitos Humanos e às Convenções de Genebra.
Outro desafio acerca da promoção dos Direitos Humanos na experiência cotidiana encontra-se na atuação das grandes corporações da mídia. A concentração dos setores da comunicação traz como conseqüência a difusão de discursos limitados geograficamente e monofônicos culturalmente. De acordo com a UNESCO, as maiores agências internacionais de notícias - Reuters, Associated Press, Agence France Press - representam 80% da fonte de informações que abastece a opinião pública mundial. Devido ao seu poder no mercado global da informação, cria-se uma dinâmica na qual somente aquilo que é noticiado por essas mídias recebe atenção internacional. Assim, a opinião pública global se torna inefável perante inúmeras violações aos Direitos Humanos as quais não são assimiladas à memória coletiva. Uma vez que não é possível zerar o cronômetro da História, o cultivo à memória e o incentivo ao perdão são condições essenciais para se evitar as atrocidades cometidas pelo homem ao longo do tempo. Como diz Morin: “perdoar é resistir à crueldade do mundo”.
O atual conflito em Darfur, ficou por muito tempo fora da agenda de notícias porque jornalistas acreditavam que o público simplesmente não se interessava. O fato de ter sido necessária cobertura intensa da mídia internacional para haver mobilização, levou o ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan, a afirmar que essa situação “é uma vergonha, não só para o Sudão, mas para o mundo inteiro”.
No cenário internacional contemporâneo, é indiscutível que as imagens e discursos transmitidos pela mídia são capazes de mobilizar a sociedade internacional. O problema é que esses discursos apresentam-se desprovidos de motivação em construir uma cultura que valorize o respeito à dignidade humana e o exercício da cidadania. Em 2006, uma pesquisa realizada pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância e pela Secretária Especial de Direitos Humanos, concluiu que na imprensa brasileira, o tema “Direitos Humanos” é tratado de forma genérica, desbalanceada e sem perspectiva histórica.
É fundamental a criação de espaços discursivos livres que promovam o respeito aos Direitos Humanos de uma forma universalizável. É mister uma estratégia da informação capaz de auxiliar as forças de paz no âmbito das instituições internacionais e da sociedade civil. Ressalta-se nessa tarefa o papel das mídias alternativas como opção aos discursos das grandes agências de notícia internacionais. A necessidade de uma mídia pluralista, democrática e independente não é responsabilidade só de jornalistas, mas de toda sociedade mundial que, diariamente, observa sua História sendo registrada de maneira omissa e insensível.

Autora: Júlia Faria Camargo - Professora do Curso de Relações Internacionais
Postado por: Equipe de Edição.