domingo, 15 de março de 2009

Watchmen e as Relações Internacionais

Caro leitor, muito provavelmente você deve ter reconhecido a imagem acima ou, pelo menos, se perguntar onde viu esse nome: Watchmen? O título da mais nova adaptação de uma Graphic Novel (HQ, quadrinho ou gibi como preferir) aos cinemas por Zack Snyder, o mesmo diretor de 300, está em todas as mídias, principalmente, na internet. Talvez por isso você esteja se perguntando “até aqui?” em um Blog que pretende discutir as Relações Internacionais de um ponto de vista quase “periférico” que é o da região amazônica. Espero que ao final desse texto você também tenha compreendido que Watchmen tem tudo a ver com as Relações Internacionais (RI).
Mas o que fez a obra prima de Alan Moore e Dave Gibbons tão famosa, ao ponto de sua frase clássica “Who Watches The Watchmen?” (Quem vigia os vigilantes?) ter sido usada por uma juíza no prefácio de uma petição de busca e apreensão de acusados de pertencer a milícias do Rio de Janeiro? O prestígio de Watchmen tem mais a ver com a revolução que a obra fez no mundo dos quadrinhos ao criticar/parodiar personagens já consagrados tratando esses vigilantes fantasiados como seres reais de um mundo real, com problemas e questões morais que podem ocorrer com qualquer ser humano, principalmente, aqueles que viveram a Guerra Fria. Outro fator é que Watchmen utiliza de uma maneira nunca vista antes todas as possibilidades narrativas que esse tipo de arte permite. Mas como já foi citado acima este texto tem o objetivo de mostrar que é possível estudar Relações Internacionais por meio de um “gibi”.
A trama principal de Watchmen se desenrola basicamente em torno da investigação da morte de Edward Blake que é a indentidade civil do "aventureiro fantasiado" conhecido como Comediante. Quem investiga esse crime é o também “aventureiro fantasiado " Rorschach que acredita que se trata de um plano para eliminar todos os vigilantes mascarados. É Rorschach que de certa forma apresenta a história e os demais personagens por meio da sua investigação. No decorrer da história vão ocorrendo fatos que parecem dar razão às suspeitas de Rorschach.
Em Watchmen é possível ver com clareza o conflito entre os dois modelos econômicos que dividiam o mundo de 1985(ano em que se passa a história que foi publicada em 1986-87) em dois, de um lado temos o capitalismo capitaneado pelos Estados Unidos da América e do outro temos o comunismo da União Soviética.
No decorrer da história descobrimos que o homem assassinado no começo da trama tinha se tornado uma espécie de soldado de elite norte-americano atuando tal qual as verdadeiras tropas de elite americanas fizeram, no combate a movimentos guerrilheiros e governos de esquerda na América do Sul. O exemplo mais contundente foi a operação que culminou no assassinato de Che Guevara. Ele também atuou no cenário mais quente da Guerra Fria: o Vietnam. No quadrinho quem vence a guerra são os Estados Unidos, pois eles contam com a presença do Dr. Manhattan ( logo abaixo você terá uma análise específica sobre esse personagem) e temos o presidente Nixon chegando de helicóptero a Saigon o que permite que ele se reeleja até o período em que acontece a trama.
O físico Jon Osterman é o vigilante que ganha o nome de Dr. Manhattan, uma alusão ao famoso projeto Manhattan que consistiu na criação da primeira ogiva nuclear americana (isto é explícito na HQ). Esse vigilante é o único a ser dotado de poderes sobre humanos, pois na história o físico obtém a capacidade de ver como os átomos se movimentam e até mesmo manipular a matéria após ser desintegrado e se auto-reconstruir em um acidente num centro de pesquisa nuclear estadunidense. Graças ao Dr. Manhattan o mundo de Watchmen pode contar com dirigíveis eficientes, carros elétricos, etc. Estas pequenas invenções proporcionam a diminuição da poluição, isso nos leva a um interessante exercício de reflexão: como seria a vida e a política americana sem a influência das empresas petrolíferas? Mas a maior influência de Osterman é no campo bélico, ele faz pesar a balança do poderio militar para o lado dos EUA. Podemos, então, pensar nele como uma super ogiva nuclear. É por isso que na história a União Soviética só invade o Afeganistão após o auto-exílio em Marte do Dr. Manhattan, ou seja, sem ele há pelo menos um equilíbrio de forças/tecnologia nuclear, como de fato ocorria até o final da década de 1980.
Com a invasão soviética ao Afeganistão ficamos próximos de uma guerra nuclear. A preparação dos militares americanos e o temor da população em relação a tal conflito são magistralmente apresentados em inúmeros quadros. Podemos ver o presidente se abrigando na área 51, projeções de um eventual conflito atômico por parte dos militares, a construção de abrigos nucleares por Nova York e claro a desilusão das pessoas ao se aproximarem da guerra.
A frase “Quem vigia os vigilantes?” é espalhada pelas ruas de Nova York durante uma série de manifestações contrárias à atuação dos vigilantes mascarados que são proibidas em 1977 (apesar da história principal se passar entre Outubro e Dezembro de 1985, os vigilantes mascarados existem desde o final da década de 1930). Mas é bem claro que esta frase na verdade tratasse de uma crítica a atuação da CIA que durante a Guerra Fria, caçou comunistas e suspeitos de conspirar para o Kremlin, nem sempre utilizando métodos legais. Por sinal há suspeitas que o primeiro vigilante mascarado, que em 1938 fica conhecido como Justiceiro Encapuzado (o qual não tinha sua identidade civil revelada), pode ter sido assassinado pela CIA em função de ser um imigrante da Alemanha Oriental, numa passagem que só pode ser descrita como genial.
O personagem Rorschach usa uma máscara branca, com manchas de tinta simétricas pretas que mudam de forma a cada quadro (observe o filme ou a HQ com atenção). A máscara, como seu nome são derivados do famoso teste de Rorschach, um teste criado pelo psiquiatra suíço Hermann Rorschach. Explicando rapidamente, esse teste faz uma análise psicológica do indíviduo através da interpretação que o mesmo dá sobre essas “manchas”.
Por meio de Rorschach e suas inúmeras faces Moore e Gibbons nos perguntam a todo momento: “o que você está vendo aqui?” O que achamos sobre a clivagem do mundo em dois blocos econômicos, qual a sua opinião política sobre as nossas ações perante a sociedade, as várias gestões morais apresentadas no decorrer da narrativa e até o que achamos sobre a indústria de quadrinhos?
Então: O que eu vi em Watchmen?
Eu vi um complexo mas divertido modo de estudar as Relações Internacionais.
E você o que ver em Watchmen?

Rafael Vicente da Rocha Chirone

2 comentários:

Luiz Roberto Lins Almeida disse...

Rafael, excelente abordagem. Além do longa e da HQ, a equipe de produção lançou um 'documentário' "Under the Hood", acho que ele aprofunda ainda mais a questão do contexto histórico e das relações internacionais.
Abração

Américo disse...

Rafael, bela relação da HQ com a sua área de estudos. O uso do discurso histórico foi fluído e natural.
Abraço